O
que esperar do mundo após a pandemia que estamos vivendo
Nova
York em 27 de março de 2020
Há
aprendizado possível em meio a uma pandemia que já infectou
centenas de milhares de pessoas e matou cerca de 30 mil no mundo
inteiro? A resposta otimista é "sim".
A
muito custo, todos vamos aprendendo que padrões de habitação,
trabalho, produção e distribuição de riquezas estão sendo
drasticamente alterados por uma doença que destroça sistemas
públicos e privados de saúde, comércio, cadeias de negócio e
laços de sociabilidade, impondo a distância como medida de
segurança e a escassez como ameaça num horizonte incerto.
Na
esfera privada, vive-se a separação dentro da própria família.
Filhos que se apartaram de mães e avós e pais que não abraçam
netos. Tem sido assim por mais de um mês no Brasil e noutros países
já atingidos pela Covid-19. Por quanto tempo ainda? Não sabemos, e
essa é apenas uma das peças que faltam no quebra-cabeças de um
quadro que começamos a montar aos poucos, sem imaginar que imagem
terá se formado ao final.
Pela
primeira vez nas vidas de muitos de nós, um evento afeta a cada um
separada e globalmente, traçando rotas improváveis que vão de
rincões de países asiáticos, passando pela Europa e chegando até
as comunidades periféricas de metrópoles ocidentais. Sentimos as
dores do mundo na própria casa.
A
patologia instaura uma nova métrica e refaz dinâmicas afetivas. No
supermercado, no banco, na rua: por todo lado recomenda-se o
afastamento. Linhas no chão delimitam a circulação e a
proximidade. Escritórios se esvaziam. Autoconfinados, lidamos com a
falta de fronteiras entre o doméstico e o público. Disso resultará
uma geração receosa do contato tátil e habituada ao isolamento?
Será preciso esperar para ter alguma resposta.
Sob
o ponto de vista econômico, pesquisadores anteveem um novo estado de
bem estar social no qual a base da pirâmide e o topo não estejam
separados por múltiplos abismos intransponíveis. Mesmo isso o
coronavírus escancarou: somos desiguais sobretudo na morte.
Mas
essa é uma doença que trouxe dois ensinamentos importantes ao
futuro que pretendemos reconstruir: o da vulnerabilidade e o do
excesso. De repente, temos de nos reduzir ao básico para a
sobrevivência e refazer pontes coletivas sob a chave não do consumo
superlativo, mas racional e adequado a paradigmas diversos. Quando
tudo passar, talvez necessitemos principalmente de novos valores.
A
infecção revelou finalmente que, sem o movimento incessante do dia
a dia, o planeta recobra um ritmo particular. Imagens compartilhadas
nas redes sociais exibem os canais de Veneza e suas águas
transparentes como há muito não se via. Sobre a China, a atmosfera
ganhou limpidez, dissipando as partículas pesadas de poluição que
escapam do maquinário pesado. Até a estridência humana se aquietou
e uma respiração terrestre foi se revelando, como assinalam os
sismógrafos instalados em pontos diferentes da Terra.
Eis
o aviso: sem nós, o restante da vida se acomoda e retoma uma
atividade próxima do natural. Animais reocupam o espaço urbano,
como se dissessem: a nossa ausência é saudável para o meio
ambiente. É a lição que fica: a que desejamos menos doença e mais
cura para o planeta e nós mesmos.
Brasilia em março
O
discurso liberal terá de ser reajustado
Quando
fala em contrato social, a filosofia política busca explicar as
bases sobre as quais se ancoram a ideia de estado e, principalmente,
o que fez com que o homem tivesse necessidade de viver sob o controle
de uma estrutura que, em última análise, serve para regular o
convívio, a vida que se compartilha. Numa das visões
contratualistas, é como se sem o aparato estatal na função de
provedor e regrador, a natureza do homem fosse desenfreadamente
desorganizada, egoísta e cruel.
A
discussão sobre tamanho e eficácia estatal ganhou novos ares com a
pandemia do novo coronavírus. O número de pessoas infectadas pelo
mundo já supera a casa do milhão. No Brasil e além, pessoas
precisam desesperadamente, e em diferentes níveis, da agilidade
governamental no oferecimento de respostas concretas em meio ao caos
de saúde pública. Angústia experimentada sobretudo por grupos
financeiramente desvalidos.
Os
últimos anos registraram ascensão política do ideário liberal por
todo o globo. A Onda Rosa, fenômeno caracterizado pelo crescimento
de vitórias político-eleitorais à esquerda na América Latina, viu
seu ciclo se exaurir. O espaço do poder foi tomado pela percepção
de um estado enxuto, a iniciativa privada como detentora do
protagonismo dos rumos da economia.
Contudo,
quando vozes relevantes deste espectro desprendem-se momentaneamente
de suas raízes intelectuais para defender a intervenção massiva do
estado como forma de atenuar inevitáveis danos econômicos e sociais
de uma pandemia com impactos ainda a serem descobertos em sua
totalidade, a conclusão é de que a promessa liberal ganhou
contornos utópicos durante a tormenta.
São
os casos dos economistas Armínio Fraga (ex-presidente do Banco
Central) e Mônica de Bolle, por exemplo. Dois liberais tradicionais
que se puseram ao lado dos que defenderam o auxílio emergencial de
R$ 600 a R$ 1,2 mil aos trabalhadores informais, proposta
recentemente aprovada pelo Senado e sancionada pelo presidente
Bolsonaro.
É
possível que a preferência do eleitorado, naturalmente cíclica,
acelere derrotas aos intérpretes de um tipo de liberalismo
extremado, levado às últimas consequências em detrimento do
bem-estar comum. Pode ser que saia de cena como projeto político já
nas próximas eleições presidenciais. E depois retorne, desta vez
preocupado com o aprofundamento de desigualdades sociais tanto quanto
possível.
A
crise do coronavírus conferirá ainda ganhos políticos aos que, no
momento em que ela mostrou sua face mais severa, souberam agir com
prudência e velocidade, independentemente do espectro ideológico em
que se encontram. E a rapidez das autoridades no combate à pandemia
é incompatível com qualquer caráter negacionista ou
anticientífico. Neste sentido, na arena da política, a ciência
também fará seu papel.
As
relações sociais no mundo pós-pandemia
Ainda
não sabemos quando poderemos voltar à vida que levávamos alguns
meses atrás e tampouco temos certeza de como o mundo irá funcionar
daqui para frente. Ao mesmo tempo, as relações interpessoais podem
não ser mais as mesmas. Quem assistiu à entrevista do biólogo e
pesquisador Átila Iamarino, doutor em microbiologia, ao programa
Roda Vida, da TV Cultura, na última segunda-feira, 30, o ouviu falar
sobre esse possível novo mundo com que iremos nos deparar e sobre a
esperança de mais união.
Conviver
com um problema que veio do interior da China, segundo ele, nos
obriga a renovar laços. "Eu preciso saber se meus vizinhos
estão bem, porque se eles estiverem com Covid-19 ou se acontecer
alguma coisa, eu estou no mesmo prédio", exemplificou. A
descoberta de uma nova maneira de trabalhar, remotamente, também foi
pontuada na entrevista e é um dos elementos dessa transformação
elencados por Leonardo Fernandes Nascimento, do Instituto de
Ciências, Tecnologia e Inovação da Universidade Federal da Bahia
(UFBA).
"Se
o home office passar a ser durável e não só episódico, vamos
experimentar novas formas de controle do trabalho", afirma. Além
de novos tipos de vigilância, trabalhar em casa pode apagar a
fronteira entre trabalho e vida doméstica, sem falar nos impactos
emocionais. "A convivência no cotidiano do trabalho tem papel
importante para a diluição dos afetos, ao invés de ficar tudo
concentrado dentro de casa. Por mais que às vezes o trabalho gere
estresse, no convívio com os colegas, estamos ali o tempo todo
exercitando lidar com as diferenças."
Como
conviver menos pessoalmente afetará o desenvolvimento de gerações
futuras? Aliás, ao nos depararmos com desconhecidos, iremos agir da
mesma forma? O professor imagina que não. "Em São Paulo, por
exemplo, as pessoas dão um beijo apenas; aqui na Bahia, dão dois.
Até a maneira de falarmos com as outras pessoas, se pegamos na mão
ou não, se beijamos ou não, se vamos espirrar ou não em ambiente
social, isso vai mudar totalmente."
esmo
após mais de um mês desde a confirmação do primeiro caso do novo
coronavírus (Covid-19) no Brasil, a sensação que predomina em
diversos setores da atividade econômica é de que a pandemia ainda
não chegou em seu momento mais crítico. De lá para cá, o vírus
se espalhou por todos os estados e Distrito Federal, colocando o País
em estado de calamidade pública. Mas o que isso representa para a
economia?
No
Ceará, basicamente significa que o decreto de isolamento social
deverá passar por seguidas prorrogações. Apesar de aberto ao
diálogo com representantes do setor produtivo, que pedem o fim da
proibição de atividades não essenciais, o governador Camilo
Santana (PT) já deixou claro que, se tiver que errar, será "pelo
excesso, e não pela omissão". Assim, fica evidente que,
enquanto houver risco, a saúde da população prevalecerá. O grande
problema é que, no momento, não é possível saber até quando a
pandemia será uma ameaça, o que consequentemente substitui o risco
normal e inerente à atividade econômica pelo maior pesadelo dos
empresários: a incerteza.
Entre
os setores mais atingidos, estão comércio e serviços, aviação,
bares e restaurantes. Para Ernani Reis, analista da Capital Research,
startup de análise de investimentos, em meio às diversas incertezas
que rodeiam esses setores, a recessão econômica é algo
praticamente inevitável, fato que, inclusive, já foi indicado pelo
Banco Central no fim de março, quando divulgou a sua primeira
leitura negativa para o Produto interno Bruto (PIB) de 2020, de
-0,48%.
De
uma forma mais clara: a atividade econômica muito dificilmente
crescerá neste ano e os setores que dela fazem parte já devem
trabalhar com esta nova realidade. Vice-presidente do Instituto
Brasileiro de Executivos de Finanças do Ceará (Ibef-CE), o
economista Ênio Arêa Leão considera a crise "iminente",
restando "descobrir o tamanho dela". Ele afirma que não há
dúvidas de que os efeitos da pandemia irão superar 2020, e que a
recuperação real só se dará a partir do início do próximo ano.
Outro
problema é que a retomada não será das mais rápidas. Mesmo que o
isolamento social acabe e que o comércio e a indústria voltem a
operar, estoques terão que ser repostos, consumidores precisarão se
recuperar financeiramente e emocionalmente; e empresas terão que
recomeçar. Consultor e economista, Henrique Marinho projeta, no
mínimo, três meses para a situação voltar a normalidade no
pós-coronavírus.
A
tarefa de voltar aos eixos, porém, ficará mais difícil se o grande
temor de empregadores, trabalhadores e poder público se concretizar
durante a crise pandêmica: a alta do desemprego. Com a MP 936/2020,
o Governo permitiu até o corte de salários para evitar demissões,
mas, levando em conta que, mesmo sem o coronavírus, o número de
desempregados subiu 0,4 ponto percentual entre os últimos meses de
dezembro e fevereiro, chegado a 11,6%, segundo o Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE), é improvável que este patamar
não fique maior após a crise, como explica Ernani Reis. "Se o
isolamento social se prolongar além de abril, o número de
desempregados no Brasil deve escalonar rapidamente e estender ainda
mais a curva da tão desejada retomada econômica".
Arte:
a expressão humana que nunca acabará
Quando
se achou que a cortina seria fechada de vez, artistas de muitas
linguagens mostraram a força da arte perante o cenário de pandemia
no Brasil. Se, por um lado, os recursos que já eram escassos se
apresentaram indisponíveis para futuros meses de produção
cultural, por outro, a vontade de fazer acontecer se manifestou
voraz. Foi assim que coletivos, grupos, bandas, editoras, escritores,
sujeitos afins se entregaram aos teatros da web e compartilharam seu
conteúdo e trabalho numa atitude de pura solidariedade aos isolados.
Mentes que questionavam a importância da produção artística se
viram "presas" a músicas, filmes, livros, séries,
espetáculos que foram e são essenciais para a manutenção da saúde
mental e do fruir da nossa humanidade. Tal despertar, oriundo da
pandemia, está também na visão do secretário da Cultura do
Estado, Fabiano Piúba, ao pensar o futuro. "O que podemos
esperar para a pós-epidemia é a arte sendo vista como componente
importante para a formação de repertórios, conteúdos,
sensibilidades e alimento para a alma. A arte nos anima. A cultura
tem uma função social e política de grande potência para nos
auxiliar na saída de um estado de isolamento social para um estado
de convívio baseado no respeito à diversidade humana, cultural e de
espécies", diz ele que destaca, ainda, o papel da cultura na
dimensão econômica. "A arte e a cultura podem assumir um papel
estratégico no enfrentamento da crise financeira", ressalta. A
perspectiva é semelhante à do secretário de Cultura do Município,
Gilvan Paiva. "Eu espero que haja uma maior valorização dos
artistas e da política pública de Cultura, que as pessoas
compreendam que os artistas são profissionais fundamentais na
sociabilidade humana. A arte e a cultura podem repactuar, reintegrar
e reconectar as pessoas a uma vida melhor", avalia o gestor.
A
artista visual Raisa Christina, que aproveitou o isolamento para
lançar o projeto #nudesdaquarentena em sua página no Instagram,
acredita que temos aprendido com a "estranha situação' de
confinamento, a darmos ouvidos a nós mesmos. "Imagino que a
produção em arte tende a pensar sobre a solidão, a qualidade dos
encontros e a possibilidade de reinvenção de si a partir de nossos
imaginários", aposta. Já a cantora Roberta Fiúza que,
inclusive, está em recuperação da Covid-19, espera que os colegas
se organizem mais. "Que sejam, de fato, mais empáticos entre si
e parem de contar com um amanhã que não existe, ou seja, criar
dentro das suas possibilidades uma receita básica e parar de
planejar com cachês que são apenas datas em um papel".
Seja
no campo da apreciação, da produção, da cadeia econômica ou das
individualidades, a arte demonstrou, no isolamento (coletivo), que dá
conta das nossas angústias, incertezas e subjetividades. Não há
vida e nem futuro sem arte.
Esportes:
sem previsão de retorno, a transformação no futebol já começou
Incerto,
obscuro e nebuloso. Estes são alguns dos adjetivos usados por atores
do esporte para classificar o futuro em meio à paralisação
provocada pela pandemia do novo coronavírus. Todas as modalidades
serão afetadas no Brasil, em especial o futebol, o mais popular do
País. O impacto já é enorme. Clubes grandes em tradição e
investimento sofrem para buscar alternativas. As agremiações
menores são atingidas de forma mais traumática, precisando apelar
-e ainda não conseguiram resposta - por ajuda financeira da maior
entidade da modalidade, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF),
ou partir para decisões mais drásticas de rescindir com seus
elencos.
O
calendário do futebol nacional e internacional parou. Não há
previsão de volta. Sem jogos, as receitas foram atingidas em cheio.
Especialista no mercado futebolístico, Fernando Ferreira estipula
perdas de receitas entre 11% a 40%. Cotas de transmissão de
campeonatos, patrocínios e programa de sócio-torcedor são
arrecadações importantes dos clubes e serão afetadas com a
quarentena mundial. Enquanto isso, as despesas precisam ser quitadas.
No
cenário de dúvidas severas, os clubes têm colocado as contas na
ponta do lápis. Na matemática da sobrevivência, é inevitável a
discussão sobre a redução dos salários dos jogadores, que
representa cerca de 40% da despesa total.
As
principais equipes do País já acertaram reduções salariais e
deram férias aos elencos. Os times menores ainda avaliam a situação
e apelam à CBF por cotas que variam entre R$ 75 mil a R$ 250 mil
mensais, além de isenção de taxas.
Não
existe qualquer perspectiva de retorno. Mas qual a solução para o
esporte? "O futebol não é diferente de outros mercados. Todo
mundo precisa se ajudar. Grandes clubes com perspectiva de calendário
precisam renegociar contratos e evitar demissões. O jogador tem que
começar a rever seus custos como qualquer cidadão", avalia
Chateaubriand Arrais, analista em marketing esportivo.
Chateaubriand
acredita que a paralisação trará reflexões sobre gastos elevados
no esporte. "Esse tempo vai ajudar a todo mundo refletir os
absurdos de custos e gastos milionários. Precisa ser tudo revisto
porque a desigualdade social no futebol é só um reflexo da
sociedade."
Especialista
em marketing esportivo, Evandro Ferreira projeta muitas mudanças
diante da recessão econômica. "Já está acontecendo uma
transformação no esporte profissional com times dispensando
jogadores, renegociando salários, perdas de patrocinadores e cotas
de TV revistas. O grande desafio será a reconstrução de um cenário
próximo de terra arrasada", define.
Valorização
da ciência brasileira será legado pós-pandemia
Pela
primeira vez na história, o Brasil enfrenta uma crise de saúde
pública que obriga a mudança na rotina de todos os cidadãos.
Enquanto a quarentena perdura, a ciência ganha mais espaço nos
noticiários e, consequentemente, nas discussões familiares.
"O
que está acontecendo no meio da pandemia de Covid-19 é que a
comunidade está entendendo o valor da ciência como nunca",
percebe Pedro Hallal, reitor da Universidade Federal de Pelotas
(UFPel) e coordenador geral do primeiro estudo brasileiro que
investigará o número de infectados pelo novo coronavírus.
Apesar
dos cortes de bolsas e do sucateamento sistemático da pesquisa
nacional, principalmente nas universidades públicas, os cientistas
ainda trabalham em "operação de guerra" para desvendar o
novo coronavírus. Foi assim que uma equipe de cinco pesquisadoras da
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP)
transformaram o Brasil no país mais rápido a sequenciar o genoma do
Sars-Cov-2, em apenas 48h.
Da
mesma forma, Hallal acredita que a pandemia será o ponto inicial
para compreender, de uma vez por todas, o que compõe o sistema de
ciência e tecnologia. "As ciências sociais e humanas têm sido
muitas vezes mal interpretadas e subfinanciadas. Nós precisamos
imediatamente reverter esse quadro", reforça o reitor.
Afinal,
o mapeamento de grupos vulneráveis à Covid-19 por
Nenhum comentário:
Postar um comentário